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A importância de promover memórias - A documentação Fluminense como forma de resistência

Foto do escritor: Caroline VerçosaCaroline Verçosa

Atualizado: 11 de abr. de 2024

Quando éramos crianças as histórias eram a maneira que encontrávamos de nos conectar com o passado.

Ouvir as memórias das nossas famílias nos ajudava a construir e conservar nosso pensamento simbólico e nos conectar com nossas raízes - porque quando somos crianças pensamos de maneira muito mais concreta.


As histórias, documentadas ou não, fazem o papel de uma fotografia. São uma forma de rever o passado no momento presente.

Mas, diferente da fotografia, a memória está mais suscetível a atender nossos desejos. Freud diz que a memória é o desejo olhando para trás. Quando lembramos de algo fazemos uma seleção de dados afim de construir a fala. E aí contamos.


A memória é, segundo Chaui (2000 apud DE CARLI, 2013) “inseparável do sentimento de tempo ou da percepção e experiência do tempo, como algo que escoa ou passa”. “É através da memória que se constrói a identidade de um povo, de um país. Para manter vivas a memória e a história de um país, é preciso preservar aquilo que foi registrado em diferentes suportes informacionais, ou seja, preservar o chamado “patrimônio cultural documental” (DE CARLI, 2013).


Mas a memória como forma de se construir uma identidade, não está somente atrelada ao passado. A memória, quando revisitada, pode ser modificada, melhorada. A memória quando revisitada, contada e documentada, principalmente para territórios mais periféricos, é uma forma de resistência.


A documentação de uma memória é arma mais poderosa de um povo porque assim podemos sobreviver a fragmentações, omissões e violências culturais externas, de agentes que não são constitutivos do meio. Ao documentar nossas memórias podemos também escolher preservar o que é mais especial e significativo, à nossa maneira, pois o contador da história jamais consegue se desvincular do seu contexto (ver texto anterior sobre Construtivismo).


Quando trazemos essas ideias para um cenário mais palpável, percebemos que o BXD in Cena nasceu com o objetivo de documentar acontecimentos que permaneciam somente na camada do inconsciente coletivo. Todos nós já fomos em diversos eventos da Baixada Fluminense que, de certa maneira, se perderam. Que um dia deixaram de ser contados. Que nem habitam mais na memória.


Quantos Fluminenses sabem que o então Príncipe Charles esteve em São João de Meriti e que a primeira TV comunitária do Brasil surgiu em Duque de Caxias? Quantas pessoas sabem que já existiu um cinema no Gramacho? (eu mesma ouvi essa história ao pegar um transporte coletivo, esse ano).

Príncipe Charles em São João de Meriti // Imagem disponível em: https://casadaculturabaixada.org.br/


Sempre que o BXD in Cena (ou qualquer outro coletivo ou iniciativa) entrevista um artista é uma maneira de fortalecer e afirmar identidades. Sempre que registramos um evento ou fazemos um documentário sobre o nosso território estamos saindo do simbólico e alcançando o concreto. Todo esse trabalho está para muito além de números no Instagram ou reconhecimento pessoal.


Por muito tempo a Baixada Fluminense foi (e é) apagada da história do Rio de Janeiro. Somos constantemente negligenciados e estigmatizados já que as narrativas predominantes sobre violências muitas vezes nos fazem esquecer da nossa real identidade como povo.


Contar e preservar nossas memórias é um ato de resistência contra o esquecimento, contra a marginalização e contra a tentativa de apagar a riqueza cultural do nosso território.


Felipe Vaz, artista Caxiense, em sua música ‘Ygûasu’ diz: "Mas se o Rio é tão periférico, por que ouvimos tanto sobre o Leblon, Ipanema, Copacabana? Nós somos o que vivemos e devemos transmitir isso. O lugar onde a gente vive também é bonito. É possível falar sobre amores, tristezas, medos, inseguranças... Tendo como cenário Duque de Caxias."


Capa ao Álbum 'Terra de Mulher Bonita', por Felipe Vaz. // Disponível em: https://www.instagram.com/p/Cdn9mlvuq34/?igsh=MWRrbTFyMHluNnN6Zw==


É somente através desses esforços, dos artistas, das nossas músicas, que podemos chamar a Baixada Fluminense de lar.

É somente a partir do esforço documental que podemos ser contadores das nossas próprias histórias e sobreviver ao tempo.


Texto por: Carol Verçosa


Referências bibliográficas:

DE CARLI, Deneide Teresinha. O documento histórico como fonte de preservação da memória. Florianópolis, v. 23. 2013. pp. 184-185. Disponível em: https://agora.emnuvens.com.br/ra/article/view/454/pdf_23. Acesso em: 9 out. 2024.

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1 Comment


perruchoevelyn
Apr 11, 2024

Sensacional! Ótima leitura.

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rodape bxd in cena
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