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Apesar do esperançar, a cada dia está mais difícil viver em São João.

vitoriadeoliveira113

Atualizado: 20 de set. de 2023

Esses dias, a minha grande amiga Fernanda Mirella me mandou uma mensagem me dizendo que eu a ensinei a amar São João de Meriti. Sinceramente, essa foi uma das coisas mais legais e profundas que já me disseram sobre o meu trabalho, nessa tentativa eterna de provocar ou fazer renascer o amor que sentimos sobre o lugar em que moramos.


Eu vejo uma São João com muitas possibilidades, com um povo trabalhador, esforçado e diverso. É um campo imenso de tanta coisa a ser construída, aprendida, refeita. Penso sempre em como eu gostaria de frequentar um museu sobre a nossa história, ver apresentações dos nossos cantores nas praças e admirar imagens de quem produz as artes visuais aqui.


Sempre me incomodou essa coisa de que sempre que há um comediante falando da minha cidade ou da Baixada, é porque você tem que correr. E aí, ao fundo, as pessoas rindo, gargalhando, quase morrendo de tanto achar engraçado. Tem a sua verdade? Claro. Mas sempre me incomodou essa coisa da gente achar normal o que jamais deveria ser aceito, até mesmo em brincadeira. A partir daí nasce, também, a nossa conformidade com os fatos que aqui habitam.


Escrevo bastante e tento comunicar sempre que apesar de todas as infinitas violências, existe muita gente resistindo e tentando alertar de que é preciso não se deixar com que pessoas e ideias morram em São João. Há quem faça isso vendendo trufas, aqueles que resistem dando aulas em pré-vestibulares ou o vizinho que varre a calçada cotidianamente. São formas e formas. É a vida acontecendo.


E mesmo que nessa jornada bonita que eu vejo a minha frente, de conhecer tanta gente querida e especial antes mesmo d’eu completar vinte anos de vida, é difícil se manter em pé, refletindo com avidez e tentando se segurar. Por isso, o texto de hoje é muito mais um desabafo do que qualquer outra coisa. Mesmo nova, estou cansada.

céu nublado e morro ao fundo
Vila Ruth, São João de Meriti. Foto: Reprodução: Jéz / BXD IN CENA.

Os moradores de São João estão sempre em muitos lugares, somos um formigueiro - ou éramos. Enfim, tô sempre em algum lugar diferente, fazendo coisas diferentes e vivendo. Sendo jovem. Existindo. E às vezes, no meio de momentos sorridentes, percebo que muito do que me deveria ser básico na cidade não é.


No mês passado, passei muito mal de madrugada, mal conseguia respirar: me levaram para a UPA. Não em São João, claro, isso seria inimaginável: ir de Éden até o Jardim Íris tranquilamente com a minha vida me soa improvável. Ataque de asma, esta, que é muito agravada pelo lixo queimado atrás da minha casa, na frente dela e no ponto de ônibus. São incontáveis os crimes ambientais.


Descobri frequentando outros lugares de que não é normal ter que cruzar um valão repleto de esgoto, germe, bactéria, sei lá mais o quê, pra chegar ao ponto de ônibus. Um mar de lixo perto da sua casa também não é legal, muito menos pessoas de outros bairros e cidades indo despejar material de construção onde você mora porque não vai dar em nada.


Esses dias eu vou ter de voltar pra casa do Galeão e estou preocupada, porque vou voltar cansada, com mala, e não vou poder simplesmente pegar um ônibus direto porque ele não existe ou chamar um Uber, porque nem carro na minha rua entra. Para a minha avó, idosa, ir ao médico tem sido um grande problema por conta disso. E sabemos, todos, que isso acontece por motivos que não são nada simplistas.


Ainda usando minha avó de exemplo, ela não consegue sair de casa para caminhar, por exemplo, porque nunca existiu um projeto de nivelamento de calçadas neste lugar, onde a prioridade para aqueles que querem ser eleitos é asfaltar e asfaltar ruas. Enquanto isso, outras cidades do mundo já entenderam que mais asfalto deixa as cidades mais quentes - aqui, em que 95% da cidade é concreto, nada.


Mas não só isso, não entenderam nada. Ou entenderam e se fazem de não-entendidos, o que é mais provável. Não é possível andar nesta cidade a pé, de carro, de ônibus e nem de bicicleta. O que chamam de Ciclovia no Centro de São João é um pequeno trecho usado para as barracas que vendem comida colocarem anúncios de seus produtos. E não, isso não é uma crítica a quem empreende ali.

ambiente periférico com serra ao fundo
Complexo do BQ. Foto: Reprodução: Onã / BXD IN CENA.

Enquanto eu conheço outros lugares do mundo, me choca como é possível que a gente viva assim. Entendo muito bem a queda da população de -3,86% em comparação com o Censo de 2010: se nem os nossos vereadores moram aqui, por que temos de morar?


E a nossa saída, a nossa ausência e o nosso desinteresse são tudo o que aqueles que têm a caneta na mão querem. Fomentam o nosso desprezo, o nosso ódio e o nosso desejo de partir para que eles continuem a formar impérios às nossas custas.


Nas ruas, notamos os mesmos sobrenomes nos cartazes, as mesmas gerações de despreocupados com políticas públicas e preocupados com o bolso. E muitos dos que acham essas pessoas um perigo tem um ego que é colocado à frente da prioridade que é pensar esta cidade. Não adianta se unir para fotos: é preciso mais.


Em uma cidade em que não temos nem vereadoras negras, é preciso se olhar com urgência e preocupação. Precisamos de líderes apaixonados por políticas públicas, participação popular e evidência como prioridade. A ajuda no impulsionamento destas pessoas é um ato de amor-próprio e coletivo.


Parece óbvio, mas é preciso frisar que nada pode continuar como está. Os de sempre não podem decidir por nós e nós precisamos parar de deixar que estes estejam lá. Mas para fazer isso, é preciso ter segurança. Como fazer, sabendo que a qualquer reclamação a sua vida corre perigo?


Quem já faz parte do sistema não o resolverá. O tomaremos para nós, então.


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