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Contra a morte, só o amor quem diz.

Foto do escritor: fijobxdfijobxd

Como o Baixadense se enxerga? - pt. 3

clipe coleira na amargura
NATÖ no Videoclipe de "Coleira na Amargura". Foto: Reprodução // EncontrArte Audiovisual; Emanuel Sant.

Faz tempo desde a última discussão dessa coluna. Muita coisa aconteceu, a rotina mudou, novas possibilidades apareceram e, com elas, novas fraquezas. Novas lutas. Aquela sensação de que não adianta vencer esta batalha: a próxima tá à espera e não vai dar trégua pra descansarmos: vem sem aviso, sem pena e, às vezes, sem motivo identificável. Somente a amargura de ganhar uma batalha, tendo como única saída outra batalha.


Não sei vocês, mas nessas horas este baixadense em específico se sente além de amargurado, sem direção. Pra onde correr, se em qualquer lugar que eu vá tem uma guerra me esperando? Como fazer pra aquietar tanto a ansiedade de outro conflito, quanto a apatia de quem se recusa a avançar como medida de segurança?


Pra ajudar um pouco a responder essas questões (pelo menos ajuda a mim constantemente), o cantor e compositor NATÖ lançou, na segunda parte de seu álbum Nômade, a obra "Coleira na Amargura", e é nela que nossa discussão repousa. Posterior ao lançamento do álbum, NATÖ, que também é professor de História, esteve junto da galera do EncontrArte Audiovisual e gravou um videoclipe, do qual saíram as imagens usadas neste texto.


clipe coleira na amargura
NATÖ e banda na gravação do videoclipe de "Coleira na Amargura". Foto: Reprodução // EncontrArte Audiovisual; Emanuel Sant.


Eu demorei pra entender:

Amor não é capaz de se travestir de nada;

Amor nunca teve nada a ver com veneno;

Não se parece com algo que não com ele próprio, e

Não existe outro no mundo que seja mais bélico.



O problema maior da amargura é que ela não somente paralisa, ela também exclui, mesmo que dentro de nossas cabeças, as possibilidades de um recomeçar. Quando associamos esse sentimento a algo que deveria ser bom, essas possibilidades ficam um tanto inacessíveis, devido a certos traumas. NATÖ traz aqui, com um inteligente jogo de palavras e de fonemas, uma ideia de que confundimos incontáveis situações amargas com algo que deveria, teoricamente, como vamos ver ao decorrer da discussão, ser doce - o amor -, e expõe que uma coisa não está associada à outra. Logo de início nos ensina a desvincular as coisas que são de fato benéficas, de características e situações amargas que achamos ser a tal coisa benéfica que buscamos.



Ainda ontem pus coleira na amargura

Com a postura de quem diz “Hoje eu te ponho pra passear”.

Já não me importa, se a tristeza bate à porta.

Desde cedo, pai me diz “Vê lá quem vai te visitar”.

Mais vale se render

Que viver sem amor.

Ciente de todo o juízo, do quanto é preciso

Ter o fracasso também como professor.



NATÖ brinca mais uma vez com as palavras, associando a amargura a uma criatura ou besta, que mesmo sendo ameaçadora é mantida sob controle, frente à postura dominante que o personagem da música propõe. Nos diz que, não importa o que nos alcance, somos nós quem decidimos o que entra e o que fica, tá em nossas mãos.


"Mais vale se render que viver sem amor" completa a ideia de que não vale a pena paralisar-se ao dar de cara com a amargura ou qualquer outra situação ruim, e sim a difícil tarefa de acumular as experiências obtidas com o que deu errado e tentar novamente, tendo esses aprendizados em vista. Ou simplesmente "ter o fracasso também como professor". Vamos pular pro refrão, porque a ideia não é discutir a letra inteira.



É vida!

É sol, é água e sal.

No mais, é natural

E eu vou dizer:

Gritarei pelos cantos que vinga

Amar feito um trovão!

Que embala a embarcação

E dispara o ar.



No dia do Festival Baixada (R)Existe, eu estava cantando esse refrão a plenos pulmões enquanto nós - organização, artistas e simpatizantes - literalmente segurávamos o Festival nas mãos perante o vento e a chuva que ameaçava levar tudo pra sabe-se lá onde. Aquele dia provou não só pra mim, mas pra vários produtores e produtoras culturais baixadenses que o amor que nós temos pelo território é mais forte que qualquer coisa.


Quando digo que é amor, é bem longe do sentido romântico. É uma energia conflituosa, que precisa de espaço, baderneira pra alguns. É o amor que a gente chama de "força do ódio": quero tanto atingir tal objetivo que vou fazê-lo acontecer de um jeito ou de outro. É esse amor, essa energia, essa força que põe coleira na amargura, pensando nela como a besta que imaginamos lá nos primeiros versos da obra.



Esse é um lembrete pra ninguém esquecer

Que amor não machuca.

Que quando tem, a gente vê de longe

E quando não tem, fede.



Essa energia não pode ficar em cima do muro. De igual modo, quando não se posiciona, essa energia acumulada gera desconforto, confusão, insatisfação. Faz com que a gente queira sair do local - como é quando algo cheira mal. Caso você se sinta assim, revise e reorganize pra onde é direcionada a sua energia, porque talvez o que você receba de volta não pode ser visto de longe, porém o aroma desagradável já te atingiu.



Quem tem sangue, ferve, causa.

Simples como caneta na lousa, salva.

Flecha do cupido, rosto afogado nos cachos,

Elegância no trato,

Capitães de Jorge Amado.

Força bruta do desejo,

Cem sonetos de Neruda,

Radical sem perder o amor de vista,



Versos que reafirmam o poder do amor, enquanto essa energia que não necessariamente constrói nem destrói: se coloca, voluntariamente, como combustível para que possamos fazer ou um ou outro, ou destruir ou construir. Ou alguma outra coisa, sei lá. Quem é o Fijó pra colocar limites no amor?



Protetor dos indefesos,

Benção do galho de arruda,

Contra a morte é só o amor quem diz!



Esse último verso fecha a obra com chave de ouro (ainda que tenhamos mais dois refrões ao ouvir). O amor, essa energia que é ao mesmo tempo caótica e pacifista, acolhedora porém hostil se necessária, é o único que pode falar contra a morte. Não levando no sentido literal, mas é a morte o resultado da amargura que nos paralisa. Morte de sonhos, morte de possibilidades, morte de pessoas que poderíamos ser, conhecer, viver ao lado. Morte de multiversos, pra galera que gosta da Marvel entender melhor. O amor fere a essa morte porque considera todas as possibilidades, inclusive as ruins.



clipe coleira na amargura
Foto: Reprodução // EncontrArte Audiovisual; Emanuel Sant.


Conclusão

Se é o amor essa energia que nos impulsiona tanto a destruir como a construir, precisamos dar um jeito de canalizar. Não adianta destruir o que é novo e voltar a construir sobre velhas estruturas. Uma hora a amargura vem, e é sempre com novas amarguras que lidamos todos os dias, sobretudo sendo baixadenses. O professor André Rodrigues (2018) diz que



A população negra, jovem e moradora de áreas periféricas no Brasil é recorrentemente identificada com categorias de acusação. Essas narrativas estigmatizantes têm como foco semântico a criminalização desses grupos. São recorrentes nas reportagens dos grandes veículos de comunicação sobre eventos violentos envolvendo esse perfil social – sobretudo nos casos em que se trata de ocorrências nas quais as polícias são autoras de mortes ou ferimentos contra esses jovens – que se termine a notícia com a informação de que os personagens possuem “passagem pela polícia”. (RODRIGUES, 2018, p. 130).



Diante desse cenário de constantes lutas e "pré-posições", a gente consegue concluir com muita facilidade que não é destruindo o que nasce de novo em nosso território - seja em educação, em cultura ou na política -, muito menos construindo em cima de algo já ultrapassado e que não combina nem comunica mais com quem deveria comunicar, que conseguiremos evoluir ao ponto de não termos mais que lidar com tais conflitos. A coleira tá nas nossas mãos desde sempre, só que tem gente botando coleira no lugar errado.



Refs de cria:


RODRIGUES, André Leite. Homicídios na Baixada Fluminense: Estado, mercado, criminalidade e poder. In: PENALVA, Angela et. al. eds. Rio de Janeiro: uma abordagem dialógica sobre o território fluminense [online]. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2018, pp. 117-142. Disponível em: https://books.scielo.org/id/tkysm/pdf/penalva-9788575115169-06.pdf. Acesso em: 4 mar. 2024.

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