(Se possível, leia o texto abaixo ouvindo a música.)
Por que nunca estamos dispostos a falar sobre o fim? Sabe, o fim inevitável das coisas? Pense naquele bom café que você tomou em uma cidade pequena e estava quase acabando. Ou na sensação de estar dentro do trem sabendo o destino final. A chuva ficando fraca num dia de calor insuportável. Ou na última música do seu álbum preferido.
Este texto nada mais é do que uma reflexão muito íntima da minha maneira de enxergar a vida. E por muito pouco eu não o terminei, porque - por coincidência ou não - ele foi escrito durante uma fase de mudanças extremas. Você irá entender aos poucos.
É impossível separar a ideia de mudança do conceito de fim. Freud (1915) escreveu um texto sobre a transitoriedade enquanto caminhava no campo com um amigo. O amigo estava perturbado e não conseguia aproveitar a beleza ao redor, pois pensar que toda aquela paisagem estava fadada à extinção o deixava arrasado. De repente, tudo parecia sem valor só porque um dia iria desaparecer.
Freud oferecia uma perspectiva diferente de seu amigo, argumentando que a transitoriedade das coisas não diminui o seu valor, mas, ao contrário, aumenta. A beleza e a alegria que encontramos nas coisas transitórias são intensificadas justamente porque sabemos que elas são temporárias.

Quando disse que quase não terminei o texto é porque, quando ele começou a ser escrito (por volta de Março), eu ainda não tinha aceitado que a minha nova vida me custaria a minha vida antiga. Então, escrever um texto falando sobre enxergar beleza na finitude era uma grande mentira. E eu não insisti. Deixei que o tempo se encarregasse de me fazer enxergar que a minha zona de conforto e minha capacidade de ser amada e compreendida seriam totalmente transformadas e postas à prova.
Até pouquíssimo tempo atrás eu não sabia quem seria no passeio com Freud. E talvez eu oscile para sempre entre a postura mais pessimista do amigo e a otimista de Freud. Talvez eu não precise nunca decidir entre uma ou outra. Mas, após experimentar alguns ‘fins’ nesses meses, eu aprendi coisas importantes.
Existe SIM beleza em todo final, por mais ínfima que possa parecer. O café na cidade pequena acabou, mas te serviu bons momentos. Saber o destino final do trem te faz apreciar a paisagem de outro assento, de outra janela. Você pode encontrar outro álbum favorito, e outro, e outro. Pode escolher com quem dar o passeio e apreciar a paisagem. Pode escolher com quem aproveitar e desfrutar da beleza (findável).
Obviamente não pensei num fim pra esse texto (pode dar uma risada agora, ok?) e eu nem quero que tenha. Quero que você, leitor, pense sobre a impermanência de tudo e sobre como todo fim leva a um começo (ou a outro fim). E nunca é igual. Eu desejo que você aproveite seu passeio e, quando for possível, não pense tanto assim no ‘peso’ de um ‘fim’. Nunca é de todo ruim. Enjoy your ride.
Referências bibliográficas:
FREUD, Sigmund. Sobre a Transitoriedade (1916 [1915]). IN: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1996
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