
Ser baixadense e estudante de universidade federal é uma dor e uma delícia. Uma delícia porque é assim que a gente legitima que o nosso espaço - apesar de moradores da Baixada Fluminense conhecida como "dormitório" - é onde nossos sonhos podem nos levar, e que o ambiente universitário é sim uma possibilidade.
Uma dor foi drama da minha parte, mas é de se incomodar o quanto que a realidade de pessoas que moram relativamente perto, no mesmo estado, porém em outras regiões mais acessíveis, por assim dizer, seja tão diferente. É inevitável ouvir coisas como "você nunca fica até mais tarde quando saímos!", sendo que nenhum dos presentes entende a dificuldade no transporte pra voltar pra casa. Enquanto alguns podem escolher voltar às 2h, ou eu volto às 23h ou só no outro dia lá pelas 4h30m.
Não me incomodava tanto que não notassem essa diferença até perceber que, apesar do esforço de sair daqui para as outras zonas/regiões fluminenses ser exatamente o mesmo de vir de lá pra cá, a galera demonstra um cansaço só de pensar em vir a algum evento ou atividade que acontece por aqui. Aqui também tem coisas acontecendo, se as pessoas se deslocarem até os locais onde acontecem.
Durante a pesquisa que faço sobre masculinidades, orientado pelo Prof. Leandro Teófilo de Brito, passamos pelo conceito de Identidades Culturais e as coisas começaram a ficar mais claras na minha cabeça sobre a realidade da Baixada Fluminense. Numa das leituras, esbarrei na ideia de que o que antes era proporcionado através das tribos, da população e da religião passou gradualmente a ser transferido para as próximas gerações através da chamada cultura nacional. Um único jeito de fazer algo e, portanto, ser adjetivado como pertencente daquele grupo. A questão é que desta forma não se problematizam vários jeitos de ser a mesma coisa, porém um único modus operandi é "costurado" e constitui, de forma hegemônica, o que significa ser tal coisa[1].
Por exemplo, temos o famoso "jeitinho brasileiro", a "malandragem" tão falada. Toda a população brasileira age desta forma? Acredito ser difícil afirmar isso com certeza. No entanto, já está inconscientemente engessada a ideia - em alguma medida, internacional - de que o brasileiro é identificado por fazer de tudo pra sair por cima de algo, inclusive burlar regras e forjar tangentes pra sair.
Quando entendi este processo de identificação, pude também concluir que não adianta o quanto eu tente, ninguém nunca vai olhar pelo meu ponto de vista, mas isso não é necessariamente ruim. Aceitar que minha identidade é, também, baixadense também é aceitar que vou me deslocar, trabalhar, me divertir, me concentrar em tarefas, estudar, etc. sendo atravessado, entre outros eixos, pelo território no qual estou inserido.
O território baixadense onde vivo determina que o que eu faço é Baixadense. Seja na 25 de Agosto ou em Paracambi; seja na Via Light, Nova Iguaçu, ou na Praça do Cotia, em Parada Morabi. Seja em Cabuçu ou na Automóvel Clube em São João: A Baixada continua sendo Baixada, e o produto cultural que atravessa limites geográficos continua sendo baixadense de origem.
[1] HALL, Stuart. As culturas nacionais como comunidades imaginadas. As identidades culturais na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

Senti na pele