Faz algumas semanas que ando discutindo no meu Instagram a nossa busca incessante por legitimação dentro de espaços/instituições onde a branquitude impera, espaços esses que em seu cerne não foram criados para nós, corpos pretos, femininos, favelados, marginalizados… E tá tudo bem querer estar nesses espaços, é nosso direito e mais do que direito é preciso não permitir que eles continuem escrevendo e produzindo sobre nós, mas o buraco é bem mais embaixo.
Quem é que começa e dá continuidade no fazer artístico dentro da Baixada Fluminense? A famosa cidade dormitório que é cidade, que é museu, que é galeria… como diz meu querido amigo Ramires, ou melhor, Tecnorgânico:

Então vambora penqwsar e discutir sobre isso coletivamente?
No meu texto "Lugares possíveis também podem ser inventados" saliento que ao buscar essa tal legitimação não podemos nos esquecer da nossa força criadora de criar nossos espaços possíveis para produção artística dentro dos nossos próprios territórios e geografias. E fica a pergunta, a rua não é centro cultural? A praça pública não é museu? A caixa de sapatos da sua avó cheia de fotografias da família não é um espaço de memória? As pinturas do seu amigo artista na mesa do sarau não é uma exposição? É preciso ter um pavilhão no Inhotim para nos fazer artistas? É a branquitude que não permite você enxergar seu território como lugar possível, foi ela que ditou que só se pode ser quando no mesmo parâmetro que ela.

Minha amiga Pietra Canle escreveu um post que está dando pano pra manga nas discussões pelos comentários, sugiro de você ir lá dar uma conferida e continuidade, ela vai trazer para nós pensar sobre "Quem compartilha arte com a sua comunidade quando você sai?"

Você já parou pra pensar sobre isso? Sobre essas buscas de se retirar da baixada com o falso sonho de que vencer é conseguir ir pro Centro do Rio? O que fica para as nossas crianças? O que fica pra quem ainda mora na bxd? Não nos condenarmos a pelejar até o fim da nossa vida pela "salvação" desse lugar, mas porque sempre esse lugar de "condenação" e "salvação" quando se trata do nosso território? Quando se trata de permanecer. Aqui é um fim de mundo? Não dá pra ser feliz e construir comunidade? E se for fim de mundo… quem foi que nos largou aqui? Quem é que não dá recursos para a cultura crescer?
Meu amigo Sandro Garcia vai trazer uma discussão muito necessária sobre esse papo de ocupar espaços com o artigo "A ocupação que desocupa: O abandono das origens e a busca da legitimação centralizada" (GARCIA, 2022):
4. Precisam mais da gente do que nós deles.
Mas aí, a gente precisa ocupar, ou precisam da nossa ocupação? Essa é uma pergunta que eu me faço sempre que sou convidado a qualquer lugar. Porque me querem ali? Eu quero estar? Eu devo estar? porque eu devo estar?
E pegando de exemplo minha experiência cinematográfica, a conclusão que eu tiro é que eles precisam de nós muito mais do que nós precisamos deles. Sem nós, sem a margem, o centro se torna mais irrelevante do que ele já possa parecer. Me pego sempre lembrando de eventos “periféricos” onde convidam todas aquelas pessoas, quase um fetiche, para falar de como é produzir na periferia, como é não ter acesso a equipamentos culturais, conta pra gente como é nunca na vida ter recebido um cachê apropriado pelo seu trabalho. Depois de um tempo eu parei para olhar em volta nesses eventos, e percebi que nesses eventos voltados para periferia (que aconteciam em grandes centros), a periferia estava ali, potente como sempre. Animada. Caramba! eles dão passagem! Tem até um lanche! Mas aí você olha os bastidores, os gestores, os responsáveis pelo projeto, as pessoas que estão recebendo o cachê de fato para realizar o tal evento. Você já sabe quem são, e o que eu passei a perceber nesses eventos durante aqueles 2 minutos de fala que dão pra gente resumir nossa vida e obra, é que essas pessoas, esses bons samaritanos, a cara de choque que eles fazem quando eu digo onde eu moro e da situação que eu me encontro, fica evidente que essa galera nunca pisou em Belford Roxo, e pior que isso, não pretendem pisar.
(GARCIA, 2022, p. 22)[2]
Necessário demais fazer essa leitura, achei de uma grande sacada ele lançar essa: a ocupação que desocupa. Querer ocupar todos os espaços é se esfolar e não ganhar nada com isso, nem teu nome sobe de degrau. Se colocar como artista nesses espaços é frequentar os lugares certos, conhecer as pessoas certas, falar as coisas certas, se vestir com as roupas certas e por aí vai…
Ainda tem muita encruzilhada, e ainda bem que encruzilhada é uma infinidade de caminhos, e ainda bem que estamos discutindo isso coletivamente. A gente não tá sozinho não galera, então simbora mergulhar nas nossas terras, vem ler baixadenses, ocupar suas origens, ocupar seu território, questionar legitimação e ocupar ESTRATEGICAMENTE esses espaços que nos criticam sem nenhum pesar.
LINKS ÚTEIS:
[1] Texto "Quem Valida Minha Existência?"
[2] GARCIA, Sandro. A ocupação que desocupa: o abandono das origens e a busca da legitimação centralizada. Trajeto Errático, Niterói, n. 2, pp. 19-23, jan/2022 [Acesso em 15 out. 2023]. Disponível em: https://desaber.com.br/arquivos/TRAJETO-ERRATICO-2a-ed-jan-2022.pdf?fbclid=PAAaad2mPdfLWznfLM-5kimHzxK4fNPqiOCaovQBYE34tiQDTGurjo3NEBDCs.
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