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Transportes e direito à cidade

Foto do escritor: Ana Paula SalesAna Paula Sales

foto: reprodução

Em uma cidade não muito longe mas que poderia ser a sua, Carol tenta chegar ao seu bairro após as 23h, depois de um longo dia de trabalho, mas sem sucesso. Ao ligar a TV, ouve no primeiro jornal da manhã os transtornos que irá enfrentar para chegar ao serviço, novamente os trens estão atrasados, parece que cortaram os cabos… todos os dias há uma justificativa diferente, elas mal importam.


“Precisam de nós para trabalhar, mas nem ao menos conseguimos chegar lá…”

Recorreu ao ônibus, depois de esperar em uma fila que parecia interminável e mal conseguia respirar… chegou. Alívio?



Enquanto isso, sua filha Tina que ficou em casa precisa visitar a avó, que passou por um procedimento médico e precisa dos seus cuidados. Apesar de morarem na mesma cidade, Tina não consegue chegar lá sem pagar duas passagens… pensou em uma alternativa, pois não seria de forma alguma viável pagar um valor tão alto. Irá pegar apenas um com seu cartão escolar e andar o restante do caminho a pé. Indignou-se. Como poderia não haver um transporte direto? Se as pessoas que moram lá vivem no corre, por que cobrar mais?

Carol trabalhou de 10h às 21, foi um dia difícil, estamos próximos do natal e quem trabalha no comércio sabe. No fim do seu turno ela foi em direção a estação, tudo lhe parecia normal, o movimento de chegada das pessoas subindo as escadas, umas atrás das outras, os vendedores, o vai e vem das composições… finalmente o seu trem chegou, conseguiu ir sentada. Que milagre, agradeceu em pensamento. Olhando pela janela, pôde contemplar a paisagem já escurecida pela noite. Nunca havia se questionado o porquê todos os dias estar sobre aqueles trilhos, indo e voltando. Já que precisaria retornar no dia seguinte, não seria mais fácil morar ali?

Seu tempo é comprado pelo seu empregador, que a pressiona para alcançar a meta. 8 horas por dia, 6 dias por semana. Durante seus dias de trabalho não consegue ir à sua mãe, também não consegue frequentar as aulas na escola que se matriculou, ir ao mercado ou na igreja. Todo seu tempo é para produzir. Seria ela, então, parte dessa circulação de riqueza?!

Enquanto isso, Tina vai conciliando sua vida como pode. Sai da escola e vai direto ficar com a sua avó, hoje houve comunicado de que a água seria cortada para manutenção, terá que ir buscá-la na casa de uma conhecida na rua de baixo. Quando parou para revisar os cadernos, avisou que um exercício não estava feito, sentou-se e foi terminar. Leu um texto sobre o mercado e como ele interfere em sua vida, na regulação do tempo, dos lugares que pode circular e sobre a periferia em que mora. Uma palavra esquisita, P-E-R-I-F-E-R-I-A. A concentração de riqueza de alguns locais valoriza-o quando comparado a outros, digo, melhores estruturas das ruas, esgotamento, coleta de lixo, transportes, segurança, educação… Essa palavra tão nova lhe apontou algo a muito tempo conhecido, estar às margens, nos arredores onde as desigualdades são latentes, profundas. Em um mundo onde tudo gira em torno de dinheiro, colher seus frutos através da exclusão mostra que seus interesses estão longes de serem atendidos.

Nos momentos que estava descolando-se de casa até seu trabalho, Carol lembrou-se de ter vindo de um lugar muito distante quando ainda era criança. Ela, o irmão e a mãe foram morar numa casinha próxima ao rio, muito humilde, que contava com apenas 3 cômodos. Ao passar dos anos conseguiram se mudar para um lugar melhor, mas sentia falta de sua mãe, que tanto trabalhava para poder dar-lhes de comer e ajudar nos seus estudos. Sentia que no fundo, a vida na cidade era uma prisão perpétua onde ela se deslocava forçadamente, dia após dia. Sentia-se indesejável, usada e depois trancada em casa.


 

A necessidade de escrever este pequeno conto surge da nossa dificuldade em ter acesso a alguns bairros/espaços da cidade, por conta da baixa oferta/qualidade dos transportes públicos dentro da lógica mercadológica que é oferecida para nós, onde todas as coisas aparentemente podem se tornar um produto, e todo produto atende uma demanda daqueles que precisam dele. Em uma disciplina da faculdade onde pensamos a democratização do acesso ao transporte e sua expansão para novos locais, foi pensado por mim e uma outra estudante (Ana Carolina Barroso)um esquema de integração da Baixada Fluminense. Nosso critério foi conseguir atender um número maior de pessoas em bairros densamente habitados, aproveitar a malha ferroviária já existente, propondo melhorias, mas sobretudo, conexão entre as estações de trem através do Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT, que utilizaria parte das ruas para sua instalação.


Essa é uma tentativa de integrar cidades que são vizinhas mas que possuem três ramais de circulação diferentes, onde o passageiro precisa ir à estação de Triagem (no caso Belford Roxo-Gramacho) ou Maracanã para voltar à Baixada. É uma alternativa que, a longo prazo, gera mais benefícios aos usuários, pois requer baixa manutenção e é movido à eletricidade. A curto prazo temos a locomoção mais rápida que os ônibus, acomoda mais pessoas de uma única vez, é mais confortável e uma boa opção para diminuir os congestionamentos aliado a uma forma menos poluente de se transportar. Uma opção pouco explorada pelas empresas de transporte é o transporte fluvial, que poderia ser uma solução para a região, visto que possuímos grandes rios que no passado já foram navegáveis, conectando-os a outros modelos.


A primeira imagem nos mostrará o mapa com todas as estações e linhas novas propostas pelo trabalho, não estão inclusas as linhas já existentes. De verde, à direita, podemos identificar o trajeto das barcas integrando Magé, Duque de Caxias ao Rio de Janeiro (Praça XV).


Imagem 1: Visualização de todas as linhas propostas. Foto/reprodução: Google Earth 2023.

Na linha azul, podemos ver a conexão do terminal de barcas para a estação da Supervia Duque de Caxias, passando pelo Hospital Moacyr do Carmo e bairros da Vila São Luiz e Centenário. Na parte roxa, uma outra linha de aproximadamente 5km segue até os trens pelo bairro 25 de Agosto.


Imagem 2: Linhas que integram o Centro de Duque de caxias. Foto/reprodução: Google Earth 2023.

A linha rosa segue da estação de trem de Gramacho, em Caxias, até a estação de trem e metrô no Centro de São João de Meriti e Pavuna. Seu caminho percorre os bairros do Jardim Leal, Olavo Bilac, Jardim Metrópoles, Jardim Botanico, Vilar dos Teles, chegando ao seu destino e contemplando os moradores com 10km de extensão.


Imagem 3: Linha roxa. Foto/reprodução: Google Earth 2023.

A linha laranja sai do centro de Duque de Caxias em direção a estação de trem e metrô da divisa de São João X Pavuna. Percorre o bairro do Parque Lafaiete até encontrar-se com a estrada São João - Caxias, chega ao Shopping Grande Rio, e posteriormente segue ao seu destino final.


Imagem 4: linha laranja. Foto/reprodução: Google Earth 2023.

A última linha e mais extensa, com aproximadamente 12 KM, essa linha liga a Pavuna até o centro de Nova Iguaçu, através da Estrada Rio do Pau, que passa próximo ao Chapadão, Éden, Vila Norma, Nilópolis, Mesquita e Centro de Nova Iguaçu.


Imagem 5: Linha azul. Foto/reprodução: Google Earth 2023.

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